Há meio século, as águas calmas do delta do Rio das Pérolas embalavam barcos de madeira redes de pesca e uma vila esquecida no mapa da China. Shenzhen, na década de 1970 era pouco mais que um conjunto de casas sobre palafitas, cercadas por arrozais e sons de maré.

Hoje a mesma terra pulsa em ritmo acelerado iluminada por arranha-céus de vidro, drones que cortam o céu e carros elétricos autônomos deslizando pelas avenidas. Shenzhen se transformou na capital tecnológica da China e talvez do mundo abrigando sedes de gigantes como Huawei, DJI, Tencent e mais de 17 mil startups de hardware e inteligência artificial.
O ponto de inflexão veio em 1979, quando Deng Xiaoping arquiteto da abertura econômica da China, escolheu Shenzhen para ser a primeira Zona Econômica Especial (ZEE) do país. A proposta era ousada: permitir que uma pequena vila experimentasse o capitalismo dentro de um regime socialista. Deu certo e mais rápido do que qualquer previsão da época.
Em 1980, Shenzhen tinha menos de 30 mil habitantes. Em 2024, são mais de 17,5 milhões, segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas da China. O PIB local ultrapassa US$ 500 bilhões, rivalizando com metrópoles como Hong Kong e Singapura.
O Vale do Silício do hardware
Enquanto o Vale do Silício na Califórnia, se destaca pelo software, Shenzhen se tornou o epicentro mundial do hardware. É aqui que nasce boa parte dos smartphones, drones, carros elétricos e dispositivos inteligentes que circulam pelo planeta.
O ecossistema de inovação funciona como uma linha de montagem colaborativa. Um inventor que chega hoje a Shenzhen pode, em questão de semanas ter seu protótipo testado, ajustado e pronto para produção em escala. As fábricas, muitas delas abertas 24 horas estão a poucos minutos dos centros de design e engenharia.
“Você não encontra essa velocidade em nenhum outro lugar do mundo”, afirma Naomi Wu, engenheira e influenciadora chinesa conhecida no universo maker. “Se você pode imaginá-lo, pode construí-lo em Shenzhen.”
Dados que impressionam
- 70% dos drones do mundo são fabricados em Shenzhen, segundo a Drone Industry Insights.
- A cidade possui mais de 150 mil estações de recarga para veículos elétricos, uma das maiores redes do planeta.
- 90% dos smartphones produzidos globalmente passam por alguma etapa em Shenzhen.
- Mais de 60% dos pedidos globais no mercado de PCB (placas de circuito impresso) são atendidos por empresas locais.
O outro lado da revolução
Mas nem tudo são pixels e bytes. O crescimento vertiginoso cobra seu preço. Shenzhen enfrenta desafios de desigualdade, crise imobiliária com preços que ultrapassam US$ 15 mil o metro quadrado nas regiões centrais e pressão ambiental. Além disso, a tensão geopolítica entre China e Estados Unidos afeta diretamente empresas locais, que lidam com restrições de mercado e embargos tecnológicos.
Nos últimos anos, Shenzhen vem se reposicionando como líder na corrida da inteligência artificial, robótica e biotecnologia. A cidade também aposta pesado no desenvolvimento de chips próprios, tentando reduzir a dependência de tecnologias ocidentais.
Mais do que um centro de produção, Shenzhen hoje se vê como um laboratório urbano onde o futuro não é apenas imaginado, mas construído às vezes em menos tempo do que leva para o próximo barco cruzar o delta que um dia sustentou uma vila de pescadores.