Durante mais de sete décadas, o álcool foi um tabu absoluto nas areias douradas da Arábia Saudita. Agora, com um olhar fixo no futuro e os holofotes do mundo se voltando para o reino, esse cenário está prestes a mudar. A partir de 2026, o país permitirá a venda e o consumo controlados de bebidas alcoólicas, uma mudança histórica que sinaliza o mais ambicioso esforço de modernização do país desde a fundação do Estado saudita em 1932.

A notícia da suspensão parcial da proibição em vigor desde 1952, percorreu o mundo com a velocidade de um tweet viral. No epicentro dessa transformação está o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e seu ambicioso plano Visão 2030, que visa transformar a Arábia Saudita em um centro econômico, turístico e cultural global.
Essa decisão estratégica surge enquanto o país se prepara para receber dois dos maiores eventos internacionais da próxima década: a Expo Mundial de 2030, que será realizada em Riad, e a Copa do Mundo da FIFA em 2034. Ambas as ocasiões exigem uma adaptação cultural e estrutural do reino para receber milhões de visitantes estrangeiros, muitos deles oriundos de culturas onde o álcool faz parte do cotidiano.
Álcool com limites e foco no turismo
Mas não se trata de uma liberalização irrestrita. Cerca de 600 pontos de venda serão autorizados em todo o país, com forte concentração em hotéis internacionais, resorts e zonas específicas de turismo. As bebidas disponíveis serão majoritariamente leves, como cervejas artesanais, vinhos e sidras. Destilados como vodca ou uísque continuarão banidos, em respeito às leis religiosas e culturais locais.
A venda e o consumo serão rigidamente regulamentados. Cidadãos sauditas continuarão enfrentando restrições, e a liberação será voltada, inicialmente, apenas para não muçulmanos. Um sistema de licenças será implementado, com controle biométrico e monitoramento digital para garantir o cumprimento das regras.
Um passo cauteloso para um país em transição
Para observadores externos, a flexibilização parece pequena. Mas para uma nação onde o simples porte de álcool poderia levar à prisão ou deportação, o movimento é significativo. “É simbólico e estratégico. O país quer mostrar ao mundo que está mudando, mas sem romper com suas raízes religiosas”, afirma a, diretora do Middle East Institute.
A Arábia Saudita já vinha ensaiando mudanças nos últimos anos. A presença de cinemas, shows internacionais, cafés mistos e a flexibilização do código de vestimenta feminino marcaram o início de uma nova era. A liberação controlada do álcool é mais um degrau nessa escada rumo a um modelo mais ocidentalizado, porém cuidadosamente calibrado.
Impacto econômico e geopolítico
A mudança também tem um forte viés econômico. O turismo, atualmente responsável por apenas cerca de 3% do PIB saudita, é uma das grandes apostas para diversificação da economia. Estima-se que o país possa receber mais de 70 milhões de turistas por ano até 2030, segundo projeções do Ministério do Turismo saudita.
A liberação do álcool, mesmo que parcial, é vista como uma exigência prática para atrair investidores estrangeiros e seduzir o turista internacional, especialmente o europeu, o americano e o latino-americano, para quem o consumo social de álcool é comum.
Riscos e resistências internas
No entanto, nem todos veem essa mudança com bons olhos. Grupos conservadores, influentes na sociedade saudita, alertam para o risco de erosão dos valores islâmicos. Já setores mais jovens e conectados às redes sociais encaram a medida com entusiasmo, como sinal de um país que finalmente se abre ao mundo.
O desafio do governo será equilibrar tradição e transformação, sem alimentar tensões sociais que possam comprometer sua estabilidade política algo vital para a execução do ambicioso plano Vision 2030.
Um brinde ao futuro, com moderação
A Arábia Saudita não está apenas suspendendo a proibição do álcool. Está simbolicamente, brindando ao mundo sua entrada em uma nova era. Uma era em que o turismo, a diplomacia e o pragmatismo econômico caminham lado a lado com os pilares do Islã.
A liberação do álcool pode parecer apenas um detalhe, mas representa algo muito maior: a lenta e cuidadosa reinvenção de um dos países mais fechados do planeta. E como toda mudança cultural profunda, não virá sem resistências, mas também não virá sem impacto.